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Doação de Órgãos: a solidariedade que se transforma em política pública

Doação de Órgãos: a solidariedade que se transforma em política pública

Setembro Verde é um convite a refletir sobre um dos institutos mais nobres do Direito à Saúde: a doação de órgãos. No Brasil, a generosidade individual não se concretiza de forma isolada, mas dentro de um sistema jurídico estruturado pelo Sistema Nacional de Transplantes, sob coordenação direta do SUS.

Hospitais privados e públicos, independentemente de sua estrutura ou tecnologia, estão submetidos ao mesmo regramento. A legislação prevê que a distribuição de órgãos ocorra em âmbito nacional, por meio de lista única e critérios técnicos definidos pelo poder público. Essa centralização confere legitimidade ao sistema, pois impede privilégios e assegura que a escassez seja enfrentada com base na equidade.

Embora muitos pacientes expressem em vida o desejo de doar, a lei brasileira condiciona ainda a efetivação do ato à autorização dos familiares após a morte, demonstrando profundo respeito ao consentimento familiar. A exigência revela a complexidade bioética envolvida e reforça a necessidade de acolhimento humanizado no momento da decisão. É nesse encontro entre norma jurídica e realidade emocional que os profissionais de saúde enfrentam alguns de seus maiores desafios.

A credibilidade da política de transplantes depende também da confiança coletiva. A população precisa ter segurança de que a fila é única, transparente e imune a manipulações. O Estado, ao assumir a coordenação do sistema, carrega a responsabilidade de garantir fiscalização permanente, e as instituições de saúde, por sua vez, devem assegurar que suas condutas estejam em sintonia com os parâmetros legais.

É importante lembrar que o financiamento dos transplantes não se restringe ao SUS. Os planos de saúde, quando acionados por seus beneficiários, também possuem responsabilidade de custear procedimentos, internações e medicamentos relacionados, sempre que a cobertura contratual abranger a doença tratada. A negativa injustificada, sob o argumento de que a regulação é pública, tem sido rechaçada pela jurisprudência, que reconhece a obrigação das operadoras em compartilhar o dever de garantir acesso ao tratamento. Esse ponto é crucial para não sobrecarregar o sistema público e para assegurar que os usuários da saúde suplementar tenham seus direitos respeitados.

Para os gestores hospitalares, transplantes não são apenas procedimentos médicos, mas serviços públicos de saúde. Cada etapa está sujeita a protocolos, registros e mecanismos de controle, e a negligência em qualquer desses pontos pode gerar responsabilização administrativa, civil e até criminal.

A prática mostra que a doação de órgãos exige mais do que boa vontade institucional e que a governança é indispensável para que solidariedade se traduza em confiança social. Protocolos claros, aderência normativa e segurança jurídica fortalecem a legitimidade do sistema e preservam a integridade de todos os envolvidos.

No Setembro Verde, reforçar a importância da doação de órgãos é também afirmar que esse gesto só se sustenta quando amparado pela lei e pelas políticas públicas que estruturam o sistema. Doar salva vidas, cumprir a lei preserva o processo e unir solidariedade à governança é o caminho para consolidar a confiança da sociedade.

Por: Camilla Góes, Sócia-Diretora.

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