O mercado de carbono vem ganhando destaque como alternativa concreta para conciliar desenvolvimento econômico e mitigação das mudanças climáticas. Longe de ser um tema restrito ao meio ambiente, ele exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo também direito, contabilidade, economia e governança. Para empresas do agronegócio, compreender esse sistema é mais do que necessário: é estratégico.
Embora os gases de efeito estufa (GEE) sejam amplamente reconhecidos como a principal causa das mudanças climáticas, poucos conhecem o potencial de monetização desses gases por meio dos créditos de carbono no Brasil. Esse mercado se estrutura em duas frentes: o regulado, com base legal e obrigatória, e o voluntário, de adesão espontânea.
O mercado regulado brasileiro foi institucionalizado pela Lei nº 15.042/2024, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), baseado no modelo cap-and-trade. Esse sistema impõe limites máximos de emissão e permite que empresas negociem entre si cotas de emissão ou certificados de redução. Na prática, os dois principais instrumentos são o CRVE (Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões), que corresponde à remoção ou redução de uma tonelada de CO₂, e o CBE (Cota Brasileira de Emissões), que representa o direito de emitir a mesma quantidade.
Importante destacar que a produção agropecuária primária ainda não está incluída no escopo obrigatório do SBCE. No entanto, essa realidade pode mudar em breve com a possível aprovação do Projeto de Lei nº 1436/2024, que pretende expandir a participação do setor no mercado regulado e introduzir incentivos fiscais relacionados à geração de créditos de carbono.
Paralelamente, opera-se no país o mercado voluntário de carbono, em que empresas e indivíduos adquirem créditos originados em projetos sustentáveis, como reflorestamento e conservação florestal, com o objetivo de compensar suas próprias emissões.
Embora regido por certificadoras privadas como o VCS e o Gold Standard, esse segmento ainda enfrenta entraves significativos. A ausência de padronização contábil, os riscos de dupla contagem e greenwashing, as dificuldades de verificação e a falta de clareza tributária comprometem a segurança jurídica das transações e dificultam a atração de investimentos qualificados.
Essa insegurança é agravada pela indefinição normativa sobre a natureza jurídica dos créditos. No Brasil, não há legislação específica que regulamente sua classificação contábil. O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), por meio do CPC 04 (R1), permite sua mensuração a valor justo apenas em mercados ativos, o que gera controvérsias. Como resultado, os créditos podem ser tratados como ativos intangíveis, estoques, commodities ou serviços prestados, o que dificulta a adoção de práticas contábeis uniformes e compromete operações.
Nesse cenário, o Projeto de Lei nº 1436/2024 se apresenta como um divisor de águas. A proposta incorpora dispositivos do PL 3769/2024 e reconhece a geração de créditos de carbono como atividade rural, autorizando que produtores utilizem os créditos para compensar tributos da atividade agropecuária, inclusive o Imposto de Renda rural. A aprovação do texto pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados sinaliza um avanço relevante e sugere que empresas do agronegócio que se estruturarem agora terão posição vantajosa quando o modelo for implementado.
Contudo, não basta gerar créditos de carbono. É indispensável garantir sua legitimidade, rastreabilidade e auditabilidade. Nesse ponto, as práticas de compliance jurídico, ambiental e contábil ganham papel central. A Avaliação da Conformidade, conforme destaca a Associação Brasileira de Avaliação da Conformidade (Abrac), torna-se ferramenta essencial para certificar os créditos por organismos acreditados e isentos, evitar fraudes e dupla contagem, garantir dados auditáveis e transparentes e tornar os projetos mais atraentes para investidores institucionais.
Como resume Alexandre Xavier, vice-presidente de ESG da Abrac, “não basta crescer — é preciso crescer com confiança. A avaliação da conformidade será um dos pilares para estruturar um mercado de carbono sólido, com impacto real para o meio ambiente, segurança jurídica para os produtores e atratividade para investidores”.
Dessa forma, o Projeto de Lei nº 1436/2024 representa mais do que uma inovação normativa, na verdade, trata-se de uma janela de oportunidade para o agronegócio nacional. Transformar créditos de carbono em benefícios tributários é uma possibilidade concreta, mas viável apenas para empresas que estejam em plena conformidade com as exigências técnicas e legais.
A antecipação, nesse contexto, será o diferencial competitivo. As organizações que estruturarem desde já programas robustos de compliance e governança estarão aptas a atuar com segurança no mercado de carbono, reduzir sua carga tributária de maneira legal e estratégica e, ao mesmo tempo, posicionar-se como protagonistas em uma nova economia, mais verde e juridicamente segura.
Por: Antonio Andrade, Advogado | Contratual & Societário.
Advogado | Contratual & Societário
Sou advogado, graduado pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), e atuo na área de Contratos, Compliance e Societário do IGSA há 8 meses. No exercício da advocacia, busco aplicar meu conhecimento para melhorar concretamente a vida e os negócios dos nossos clientes. Gosto do que faço, pois advogar é a realização de um sonho e me permite colocar essa vocação em prática.