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Do direito ao mercado: como a segurança jurídica sustenta os projetos de carbono REDD+

Nos últimos anos, a agenda ambiental deixou de ser apenas um debate acadêmico ou político para se consolidar como um dos principais vetores de transformação econômica global. A crescente preocupação com as mudanças climáticas, aliada a compromissos internacionais de redução de emissões, impulsionou o desenvolvimento de projetos de créditos de carbono. No Brasil, os projetos REDD+ estão ganhando espaço, ainda que o mercado de créditos de carbono não esteja plenamente regulamentado.

No Brasil, dada a extensão da Amazônia e de outros biomas estratégicos, um dos mecanismos mais relevantes é o REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), voltado à geração de créditos de carbono a partir da preservação da floresta em pé. Esses projetos têm como lógica central evitar o desmatamento, garantindo benefícios ambientais globais e, muitas vezes, associados a benefícios sociais e comunitários locais.

Entretanto, como toda inovação regulatória, também enfrentam desafios jurídicos relevantes: a necessidade de comprovar a regularidade fundiária e ambiental das áreas, a prevenção de conflitos com terras indígenas (demarcadas ou em processo de demarcação) e, sobretudo, a integridade do crédito. Afinal, para que um crédito emitido e posteriormente comercializado tenha legitimidade e credibilidade, deve ser construído sobre bases jurídicas e técnicas sólidas.

A experiência prática demonstra a importância de uma análise multidisciplinar, envolvendo direito, meio ambiente, geoprocessamento e governança corporativa. Projetos de carbono frequentemente são submetidos a questionamentos quanto à sua conformidade legal e à sua relação com áreas sensíveis, como territórios indígenas ou de outras comunidades tradicionais. A credibilidade do crédito exige cautelas desde a concepção até a execução do projeto.

A legislação brasileira, combinada a padrões internacionais de certificação, exige rigor em todas as etapas. Nesse contexto, o direito ambiental assume protagonismo, assegurando que o projeto respeite as normas vigentes e proporcione segurança jurídica a investidores e comunidades locais. Esse tipo de análise também elimina dúvidas sobre os limites físicos do projeto, aspecto essencial para sua validação.

No cenário internacional, entidades como a Verra aplicam metodologias reconhecidas, como a VM0007, que exigem monitoramento contínuo, relatórios técnicos e auditorias independentes. A validação e a verificação por organismos acreditados garantem que os créditos emitidos estejam lastreados em reduções ou remoções reais de gases de efeito estufa.

Outro eixo crucial é a governança corporativa. A forma como os projetos são estruturados, os stakeholders envolvidos, a destinação dos benefícios às comunidades locais e a transparência dos investimentos realizados são fatores que impactam diretamente a credibilidade do projeto.

Um aspecto priorizado nesses projetos é a entrega de benefícios não monetários, como melhorias de infraestrutura, capacitação técnica e investimentos em água e energia limpa, em substituição a pagamentos diretos em dinheiro. Essa prática reduz distorções econômicas locais, fortalece a confiança comunitária e está em linha com padrões internacionais como os CCB Standards (Climate, Community & Biodiversity).

O que se observa na prática é que nenhuma área isoladamente é capaz de garantir a integridade de um projeto de carbono.

O direito fornece a moldura de conformidade legal e regulatória além de auxiliar na estruturação da governança corporativa. O geoprocessamento traz a precisão cartográfica necessária para eliminar conflitos e riscos; A governança corporativa organiza a gestão, a distribuição de benefícios e a transparência.

Somente quando esses pilares atuam de forma integrada é que se pode afirmar que o crédito de carbono gerado e colocado no mercado voluntário possui efetiva credibilidade e pode ser aceito internacionalmente como instrumento de compensação de emissões.

É importante destacar que, mesmo antes da emissão de créditos e da obtenção de receitas, muitos projetos de REDD+ já vêm promovendo investimentos sociais e ambientais com recursos próprios. Essa prática demonstra compromisso e seriedade, reforçando a lógica de que o verdadeiro valor está na preservação ambiental associada ao desenvolvimento sustentável das comunidades locais.

Ainda assim, o processo não é simples. A cada etapa surgem exigências técnicas e jurídicas que precisam ser respondidas de forma fundamentada e com base em documentos oficiais. Trata-se de um processo dinâmico, auditável e em constante evolução, no qual cada atualização deve ser acompanhada de perto por profissionais qualificados.

Apesar do potencial, esse mercado não está livre de riscos. O Ministério Público Federal, por meio da Operação Greenwashing, apura fraudes relacionadas à venda de créditos em áreas invadidas ou com violação a direitos indígenas. Estima-se que mais da metade dos créditos da Amazônia esteja “contaminada” por problemas ligados à mineração ou à destinação irregular das áreas.

Um exemplo marcante é o Projeto Maísa REDD+, em Moju (PA), que vendeu mais de 635 mil créditos de carbono para 317 compradores, incluindo grandes marcas como Uber, Google, Giorgio Armani, AstraZeneca e TIM. Em 2022, a empresa responsável desistiu do projeto e rompeu o contrato de preservação de 30 anos para dar lugar à mineração e à agropecuária. Desde então, mais de 6,4 mil hectares de florestas foram desmatados.

A Uber, por exemplo, adquiriu créditos por meio da consultoria Anaconda Carbon S.A., para neutralizar 1.545 toneladas de CO2 de suas operações no México, Colômbia, Equador, Panamá e República Dominicana. Com a quebra contratual, a integridade desses créditos ficou em xeque, ampliando a cautela de investidores, órgãos ambientais e comunidades locais.

Esse cenário demonstra que o mercado de carbono apresenta oportunidades ímpares, mas exige o acompanhamento jurídico adequado.

Empresas e investidores que desejam atuar nesse segmento precisam compreender que a análise multidisciplinar é indispensável. Apenas com a integração entre direito, meio ambiente, geoprocessamento e governança corporativa é possível assegurar créditos com validade e integridade, atributos fundamentais para que cumpram sua função de contribuir efetivamente para a mitigação das mudanças climáticas e para o desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto, a assessoria jurídica adequada deixa de ser mero suporte e passa a ser elemento estratégico, capaz de garantir segurança regulatória, prevenir litígios e reforçar a credibilidade dos projetos diante de investidores, órgãos de fiscalização e comunidades locais.

 

Por: Marcelle Rentroia, Coordenadora | Ambiental & Regulatório.

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