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Mandato e Governança: o Poder Delegado que Sustenta as Decisões Empresariais

Toda empresa, em algum momento, precisa permitir que alguém aja em seu nome. Seja para assinar um contrato, representar a organização diante de um banco ou conduzir negociações com parceiros estratégicos, é o mandato, formalizado por meio de uma procuração, que dá vida jurídica a essas ações. No universo corporativo, a clareza e o controle sobre esse poder delegado são sinais de governança sólida e de gestão responsável.

O Código Civil, no artigo 653, define o mandato como o ato pelo qual alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. Essa simplicidade legislativa, no entanto, contrasta com a complexidade da vida empresarial moderna. Hoje, uma procuração mal redigida, sem limites claros ou sem respaldo documental, pode gerar litígios, autuações e riscos reputacionais de alto impacto.

Por isso, compreender o instrumento de mandato vai muito além da formalidade cartorária. É compreender como a autoridade circula dentro da empresa — quem decide, quem executa e, sobretudo, quem responde.

O instrumento pode ser particular, com firma reconhecida ou assinatura digital, ou público, lavrado em cartório. Este último é preferível quando envolve atos de maior relevância patrimonial ou representações perante órgãos públicos e instituições financeiras. Mais do que uma escolha de forma, trata-se de uma decisão estratégica: quanto maior o impacto da operação, maior deve ser o grau de segurança jurídica adotado.

Quando a outorgante é uma pessoa jurídica, deve-se verificar com precisão se o representante que assina tem poderes para isso, conforme os atos constitutivos da empresa. A negligência nessa checagem, comum em pequenas e médias organizações, é causa recorrente de nulidade de negócios jurídicos e de responsabilização pessoal de administradores.

O alcance do mandato também merece atenção. Alguns atos exigem poderes especiais e expressos — como alienar bens, confessar dívidas, transigir ou renunciar a direitos. A ausência dessas previsões explícitas transforma a procuração em um convite à insegurança jurídica. É aqui que o jurídico empresarial deixa de ser mero executor e passa a atuar como guardião de limites e garantias.

Há ainda distinções importantes quanto à finalidade da representação. As procurações ad negotia destinam-se à prática de atos fora do Judiciário, como negócios e relações comerciais; as ad judicia, às atuações processuais dos advogados; e as ad judicia et extra, que reúnem ambas as esferas. Na prática, essa escolha reflete o nível de autonomia que a empresa deseja conceder — e o nível de risco que está disposta a assumir.

Outro aspecto negligenciado é o controle sobre a vigência desses poderes. O mandato extingue-se com a morte de uma das partes, com o cumprimento do objeto, por revogação ou decisão judicial. Em estruturas corporativas, a falta de rastreabilidade dessas revogações gera distorções perigosas, especialmente quando há troca de gestores ou rotatividade de procuradores. Manter um protocolo interno de outorgas e revogações é sinal inequívoco de maturidade institucional.

Por fim, há o substabelecimento, que permite a transferência dos poderes recebidos a outro profissional. Embora previsto em lei, deve ser tratado com cautela. Delegar o que já foi delegado, sem gestão adequada, é um dos pontos de fragilidade mais comuns em empresas familiares e em organizações de crescimento acelerado.

A boa governança jurídica começa quando a empresa entende que o poder de assinar é também o poder de responder. Mandatos claros, controlados e juridicamente estruturados são parte do alicerce de qualquer gestão responsável. Numa era em que transparência e compliance deixaram de ser diferenciais e se tornaram exigências, a advocacia empresarial tem papel crucial: converter o ato de delegar em um ato de segurança.

 

Por: Camilla Góes, Sócia-Diretora.

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