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Os Incentivos Fiscais Estaduais e a Reforma Tributária

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, muito se discute sobre o futuro dos incentivos fiscais no Brasil, especialmente aqueles concedidos no âmbito do ICMS pelos estados. A proposta da reforma tributária
é ambiciosa: substituir o atual sistema de tributos sobre o consumo por um modelo mais racional, baseado na não cumulatividade plena e na neutralidade, uma situação que já deveria existir hoje, mas passa longe disso. Para tanto, criam-se o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal. Mas a simplificação prometida traz consigo profundas repercussões sobre um pilar histórico da política de desenvolvimento regional brasileira: os incentivos fiscais estaduais.

A guerra fiscal não é um fenômeno novo. Por décadas, os estados valeram-se de benefícios fiscais do ICMS para atrair investimentos e fomentar o desenvolvimento econômico local. Regiões menos industrializadas, como o
Norte e o Nordeste, estruturaram fundos e programas robustos, como o Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI), no Ceará. Esses instrumentos, embora controversos do ponto de vista da competição federativa, foram decisivos para a interiorização da indústria e a geração de empregos em zonas de baixa densidade demográfica e sem desenvolvimento econômico.

Com a reforma, essa lógica está sendo desconstruída. A EC nº 132/2023 determinou que todos os incentivos fiscais relacionados ao ICMS e ISS serão extintos até 2032. A Lei Complementar nº 214/2025 detalha os contornos dessa transição: benefícios vigentes com base em convênios do Confaz poderão ser mantidos até o prazo final, desde que respeitados requisitos específicos. Mas novos incentivos estão proibidos, e mesmo os existentes perderão eficácia gradativamente, à medida que a arrecadação do IBS substituir o atual modelo.

Nesse contexto, programas como o FDI passam a viver um momento de incerteza. Criado para atrair e consolidar empreendimentos industriais no estado do Ceará, o FDI permite a concessão de créditos presumidos de ICMS
(antes diferimento, mas com recente mudança para crédito presumido), vinculados a projetos de investimento previamente aprovados.

Com a substituição do ICMS pelo IBS, e a vedação à concessão de novos benefícios fora do escopo nacional, os projetos apoiados por esse fundo terão de ser revistos, especialmente aqueles com cláusulas contratuais que ultrapassam 2032. Para atenuar os efeitos dessa ruptura, a LCP nº 214/2025 instituiu um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com aportes da União que somarão R$ 160 bilhões até 2032. A ideia é permitir que empresas que sofrerem perdas efetivas na transição possam ser compensadas, desde que comprovem vínculo oneroso com os benefícios e regularidade fiscal.

O processo, contudo, será técnico, documentado e sujeito à governança do Comitê Gestor do IBS. Em outras palavras, não haverá compensação automática ou generalizada. O que se impõe, portanto, é um reposicionamento estratégico das empresas beneficiadas por esses programas. É indispensável revisar os contratos, simular impactos financeiros da retirada dos incentivos, e avaliar alternativas de reestruturação tributária.

Setores intensivos em capital fixo, como a indústria de transformação, serão particularmente afetados. No caso de operações altamente subsidiadas por programas estaduais, é recomendável iniciar, o quanto antes, tratativas com os
governos locais, com vistas à adaptação contratual ou mesmo a soluções jurídicas transitórias. Ademais, com a industrialização já iniciada desde os anos 1990, existem regiões que se destacam não apenas pelos benefícios fiscais, mas pelo desenvolvimento de mão-de-obra altamente qualificada, possibilitando que as empresas permaneçam nos Estados e garantam o desenvolvimento econômico.

A transição do modelo tributário não se limita a normas e datas. Ela envolve, de fato, segurança jurídica, desenvolvimento regional e viabilidade econômica de projetos que, muitas vezes, têm décadas de maturação. O desafio é grande. Mas, com planejamento tributário estruturado e análise legal criteriosa, é possível atravessar essa fase de mudança preservando competitividade e sustentabilidade no longo prazo.

Por: Yuri Amorim, Sócio-Diretor.

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